Eunápolis, 67 anos de fundação – uma cidade com o coração na estrada

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A desejada integração do eixo Rio-Salvador só veio a se realizar, muito tempo depois, com a inauguração da BR -10 1 em 1972 – Foto: Arquivo Pessoal da Família Lacerda

POR ROSE MARIE GALVÃO* – FOTOS DO ARQUIVO DA FAMÍLIA LACERDA – De acordo com o professor e poeta Raimundo Rodrigues Silva em seu “Guia Cultural – Eunápolis em Prosas e Versos”, publicado em 1999, a cidade de Eunápolis, antigo povoado de Ibiapina que em tupi-guarani significa ‘terra-limpa’; ‘terra-pelada’ ou ‘terra sem vegetação’ – surgiu do entroncamento de duas estradas onde hoje se encontra a Rua Pedro Álvares Cabral.

O povoado, que também era chamado de Nova Floresta, “64” e Ponto dos Quatro, foi fundado em 5 de novembro de 1950 com a chegada do secretário de Viação e Obras Públicas da Bahia, engenheiro Eunápio Peltier de Queiroz, ao lado de uma comitiva, para a festa de inauguração de um trecho da estrada.

Construção do Mercado Municipal – Foto: Arquivo da Família Lacerda

Na mesma ocasião, o engenheiro também prometeu a compra dos ‘tais’ 100 hectares de terras pertencentes a Ivan Moura, que mais tarde seriam doados aos trabalhadores, ou “peões de trecho” que vieram para a obra e por aqui arriaram acampamento. Ainda hoje, corre na cidade a notícia de que Ivan Moura jamais viu o dinheiro da desapropriação.

Verdade ou mentira, a narrativa da fundação da cidade nos remete a outra indagação. Estando a pouco mais de 64 quilômetros de Porto Seguro, no “mal chamado” sítio histórico do descobrimento, por que o local permaneceu isolado durante 450 anos se a capitania de Porto Seguro existia desde 1534?

Imagem da primeira capela de Nossa Senhora Auxiliadora – Foto: Arquivo Pessoal

Para compreender melhor o surgimento de Eunápolis somente em meados do século XX precisamos recuar alguns séculos na história do Brasil até o período colonial, quando o sul da Bahia e o norte das capitanias do Espírito Santo e Minas Gerais tornaram-se uma zona pouco habitada por colonos.

Naquela época, para evitar o contrabando do ouro das Minas Gerais, uma série de medidas foi baixada pelo Governo Geral, no sentido de impedir ou pelo menos dificultar a comunicação entre os polos de exploração aurífera e os grandes portos do Norte e Nordeste da Colônia. Isso provocou a retração do processo de povoamento.

Construção da Igreja Matriz, na atual praça Frei Calisto – Foto: Arquivo da Família Lacerda

Por outro lado, Porto Seguro, pela sua localização geográfica, voltada para o Oceano Atlântico, juntamente com as condições de navegabilidade de seus rios, direcionou seu crescimento para o litoral, mas as precárias condições de acesso por terra e a frágil integração deste território ao eixo econômico da colônia e, posteriormente, do país, fizeram com que a região ficasse isolada.

Só mais tarde, com o declínio da mineração, alterou-se a dinâmica de exploração econômica e de povoamento. “A partir de então houve uma concentração de esforços para aproveitar a exploração agropecuária. Não havia mais sentido em manter a proibição de circulação e comércio na zona de fronteira com a Bahia”. (RESENDE & LANGFUR, 2007).

Construção do Grupo Escolar Horácio de Matos – Arquivo da Família Lacerda

Durante o século XIX a província da Bahia, dentro do contexto da administração do Segundo Reinado, enfrentou dificuldades para dinamizar a sua economia. De fato, era difícil promover a ocupação de extensas zonas ainda bastante desabitadas. Nessa época, Porto Seguro era uma pequena cidade do litoral baiano, voltada basicamente para pesca e agricultura.

A implantação de um sistema viário que permitisse a comunicação com o interior da região era um sonho antigo acalentado pelos governantes que buscavam a integração dessas áreas à logica de ocupação do projeto colonialista.

Em 1777, o Governo da Bahia pretendia ligar Salvador ao Rio de Janeiro; para tanto ordenou ao Ouvidor de Porto Seguro que a cada seis léguas fossem criadas novas vilas e povoações. O projeto não vingou, mas, entre 1808 e 1840, abriram-se caminhos ligando o interior a alguns pontos da costa, como Valença, Camamu, Ilhéus, Belmonte e Porto Seguro.

A construção da tão sonhada estrada litorânea que liga o Rio a Salvador [hoje rodovia federal BR – 101] se iniciou no final da década de 40 do século XX, com a abertura da BA-2, uma estrada que deveria ligar a Bahia ao Espírito Santo.

Em seu km 64, surgiu um povoado que, mais tarde, se tornaria maior do que as sedes de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália [ambas com mais de 450 anos], municípios aos quais o povoado pertencia.

Eunápolis, como foi batizada, em 1950, cresceu em função da sua posição estratégica no novo eixo que se implantava, tornando-se a principal cidade da região.

Situação semelhante ocorreu com o povoado que mais tarde se transformaria no município de Teixeira de Freitas. Esses dois povoados se tornaram os principais polos da região do Extremo Sul do Estado, durante as décadas de 1970 e 1980 e vieram a se emancipar somente no final da década de 1980. (ESPINHEIRA, 1974).

Com a ampliação da malha viária, Porto Seguro foi aos poucos perdendo sua posição de destaque na região para os novos núcleos surgidos dos acampamentos de trabalhadores localizados à margem das estradas e só recuperou posição depois de 2004, já no período contemporâneo, por conta dos investimentos no turismo.

Atualmente, com base nos levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), referente ao PIB per capita dos municípios baianos, Eunápolis aparece na 31ª posição, tendo Porto Seguro na 42ª e Santa Cruz Cabrália em 90º lugar.

*Rose Marie Galvão – jornalista e acadêmica de História pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

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Fontes Consultadas:

ESPINHEIRA, Carlos Geraldo D. Porto Seguro/Cabrália: análise do processo de mudança. In: SEPLANTEC/ IURAM Plano de Desenvolvimento Urbano: Porto Seguro/Cabrália. Salvador, 1974, _______ Cidades e imagens do tempo: tradições e imaginário popular

FLEXOR, Maria Helena M. Os núcleos urbanos planejados no século XX: Porto Seguro e São Paulo. Salvador: UFBA/Centro de Estudos Baianos, 1989.39p.

RESENDE, Maria Leônia Chaves de and LANGFUR, Hal.Minas Gerais indígena:a resistência dos índios nos sertões e nas vilas de El-Rei.Tempo [online]. 2007, vol.12, n.23, pp.5-22. ISSN 1413-7704. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-77042007000200002.

SILVA, Raimundo Rodrigues Guia Cultural – Eunápolis em Prosas e Versos. Ed. Mesquita, 1999. 54p.

 

 

 

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