De ambulante a motorista de aplicativo: Brasil tem 39 milhões no trabalho informal

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Decreto de 2009 regulamenta a atividade em Eunápolis – Foto: Arquivo

BRASIL DE FATO – Dentro dos vagões do metrô, dos ônibus e trens das grandes cidades, trabalhando entre estações e vivendo o risco de ser pego pela fiscalização, vendedores oferecem aos passageiros fones de ouvido, doces, suportes para celulares e toda sorte de mercadorias. Fora dos vagões, no entorno dos pontos de ônibus, das estações e terminais de transporte coletivo, vendem produtos diversos como frutas, café, sucos e bolos em barracas.

Com roupas, relógios e acessórios ocupam as calçadas, no centro comercial dos bairros, ou estão no trânsito levando algum passageiro ao seu destino.

Segundo a Pnad Contínua do IBGE, 39,5 milhões de trabalhadores estão na informalidade no primeiro trimestre deste ano, o que corresponde a 43% da população ocupada no país. O Brasil de Fato foi às ruas ouvir trabalhadores e trabalhadoras informais e compreender as perspectivas do trabalho que exercem.

“O Brasil para mim é minha família, é minha mãe. Ele me enche a barriga, paga as minhas contas e as da minha família”, diz o peruano Jorge Poémape (63). Ele chegou em terras brasileiras no ano de 1983, e desde então trabalha como vendedor ambulante. Há 27 anos comercializa roupas e livros em frente ao Restaurante Central da Universidade de São Paulo (USP).

Agradecido, Poémape diz “vestir a camisa” do país que o acolheu, mas percebe que as coisas têm piorado ultimamente: “Antes tinha inflação, mas tinha pessoas que consumiam, tinha dinheiro. Agora está tudo parado. Hoje você compra o que é necessário, que é alimentação, o resto você pensa. Minhas vendas diminuíram cerca de 70% nos últimos anos”, estima.

NÃO HÁ TRABALHO FORMAL

O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros. Destes, 4,8 milhões estão em situação de desalento, quando se desiste de procurar trabalho.  A economista Marilane Teixeira, pesquisadora de relações trabalho e gênero do CESIT/IE – Unicamp explica que sem a possibilidade de ter um emprego formal, os trabalhadores encontram formas de sobreviver pela sua própria demanda e vão para lugares públicos de maior circulação para oferecer seus produtos e serviços.

“O Brasil sempre teve um número grande de trabalho informal, porém, até 2015, houve políticas públicas de ampliação do emprego formal. Mas, nos últimos anos, todo trabalho que vem sendo gerado é na informalidade. É a figura do trabalhador por conta própria que assume diversas expressões, desde o ambulante, autônomo, PJ [pessoa jurídica], mas que não tem direito nenhum”, explica a economista.

Teixeira revela que o perfil de trabalhadores informais na região central da capital paulista, por exemplo, é de pessoas com mais de 50 anos, a maior parte tentando encontrar trabalho ou trabalhando por conta. Também há jovens desempregados há dois ou três anos e pessoas que já perderam esperança de retornar para o mercado de trabalho.

Diante da falta de empregos formais, muitos preferem trabalhar informalmente, sem a figura do patrão. “Trabalhar assim é melhor que trabalhar de empregada, porque cansa menos e ganha mais”, opina Leonice Santiago, em frente a mesa na qual expõe seus brigadeiros, bolinhos de pote e cones trufados.

Ela começou sua trajetória de vendedora ambulante há 3 anos, depois de perder o emprego. “Tenho vontade de melhorar minhas vendas e montar um negócio, uma fábrica de chocolate”, acrescenta. Santiago diz não ter vontade de trabalhar com carteira assinada, mas se preocupa com a aposentadoria.

“Não sei o que vou fazer para me aposentar. Até porque sempre trabalhei sem registro. Vou ter que começar a pagar uma previdência privada. Isso é a única coisa que me incomoda”, afirma a doceira.

SEM PATRÃO, MAS SEM DIREITOS

A restrição de acesso a direitos trabalhistas é uma das preocupações comuns entre trabalhadores informais. “Sinto falta da CLT por conta dos benefícios como FGTS, uma garantia que no trabalho informal você não tem”, comenta a vendedora de roupas infantis Meire, 45, que está no comércio informal do Calçadão de Osasco, na Grande São Paulo, há 15 anos. Ela reforça, no entanto, que não trocaria a informalidade por um emprego com carteira assinada.

Minha renda é maior vendendo assim do que com carteira assinada. E com as mudanças nas leis aí que eu não penso mesmo (Meire, ambulante de Osasco)

“É maravilhoso! É bom trabalhar com o público. Eu amo meus clientes”, exclama Núbia, vendedora de cachorro-quente, trabalhando há 20 anos no Calçadão de Osasco. Ela considera seu carrinho “como uma empresa”, e planeja poupar dinheiro para quando precisar se aposentar “viver de renda”.

“Nosso país está tão do avesso que não dá para você confiar. Hoje em dia, quem depende do INSS está juntando latinha. Aposentadoria hoje não vale a pena. É tão pouco o salário, que não tem como…”, contesta a comerciante.

Núbia é outra que diz não sentir mais falta de emprego com carteira assinada. “Já criei meus filhos, eles já fazem faculdade, me ajudam. Hoje eu me sinto com dever cumprido, dei tudo pra eles do bom e do melhor, graças ao trabalho com cachorro quente”, explica.

RISCOS POR CONTA DO TRABALHADOR

Segundo a economista Marilane Teixeira, é possível que a renda do trabalho por conta própria seja superior ao trabalho formal em alguns setores, porém é preciso pesar o esforço necessário. Dependendo da ocupação, como motorista de aplicativo ou como autônomo na rua, o trabalhador pode ter que trabalhar de 14 até 16 horas por dia.

Ele até pode avaliar que monetariamente consegue uma renda maior do que no trabalho formal, mas se acontecer um acidente, um adoecimento ou uma gravidez, quem vai assegurar isso? Então pode ser uma ilusão de que ganhe mais, mas trabalha-se mais e não tem acesso aos auxílios e direitos trabalhistas (Marilane Teixeira, economista)

 

 

 

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