Ruptura nas igrejas pode aproximar evangélicos da esquerda

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A membresia percebeu que a economia está quebrada, que há uma dificuldade de se manter a luta pela sobrevivência, que o cenário econômico tem deixado as pessoas reticentes em relação ao governo atual.

Lucas Medrado* – O ano de 2022 será um indicador importante de como se desenvolverá a relação entre política e religião no Brasil. É bom lembrarmos que o número de votos de evangélicos nas eleições de 2018 foi expressivo, algo que pode se repetir nas próximas eleições de outubro.Não por acaso 2022 tem sido bastante desafiador para o objetivo dos dois candidatos denominados de esquerda mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes. Na verdade, esse desafio se arrasta desde 2018, quando o voto evangélico em Bolsonaro foi decisivo para o resultado daquele pleito, aos dias de hoje, quando se indaga se esse movimento se repetirá.

Vejamos como se apresenta a questão evangélica para os três candidatos que lideram as pesquisas.

O candidato do PDT, Ciro Gomes, vem tendo dificuldade em se descolar de um discurso que, por soar excessivamente “técnico”, não provoca a adesão do auditório evangélico. Seu discurso é bastante difícil de ser compreendido para quem não é da área econômica, por isso confunde a população no que se refere aos números e a uma série de informações distantes do público periférico. O que é lamentável, pois Ciro de fato tem propostas interessantes para a economia, baseadas em perspectivas econômicas relevantes.

Acontece que para atrair o eleitor evangélico, especialmente os evangélicos das periferias, que são pragmáticos no uso dos seus votos, seria necessário um discurso mais claro e objetivo. Ciro não consegue falar a língua do povo e por isso não tem conquistado os evangélicos durante suas falas, o que por consequência tem dificultado a adesão desse público à sua candidatura.

Se Ciro tem uma linguagem política extremamente distante da realidade prática das periferias, linguagem que às vezes parece utópica, a maior dificuldade de Lula passa precisamente pela agenda política que foi a marca de seus governos. Apesar de voltada para políticas públicas direcionadas para o atendimento das demandas sociais dos mais pobres, essa agenda não contemplou até aqui uma preocupação com o público evangélico, motivo pelo qual Lula tem tido dificuldade em atrair esse eleitor para sua chapa. Em resumo, a agenda do petista não provoca a adesão dos evangélicos porque a perspectiva política que a sustenta desconsidera as preocupações específicas daquele segmento.

Lula visitou o Acampamento Terra Livre – acampamento indígena, em Brasília – Foto: Sérgio Lima/Poder360

Já Bolsonaro, que ironicamente carrega o messias no próprio nome, tem conseguido se manter próximo ao público evangélico em função das pautas morais que defende. Mesmo nas periferias, o presidente é associado à perspectiva messiânica da guerra santa. Além disso, o público que tem uma ojeriza em relação à corrupção e um desinteresse generalizado pela política de certa forma desliza também para o campo da moralidade. Agarra o discurso do atual presidente porque reconhece nele a luta do bem contra o mal.

Há nisso uma contradição, pois para os evangélicos que apoiam Bolsonaro pouco importa se o presidente está em seu terceiro casamento, se ele fala palavrão, se ele é a favor das armas. Para o público evangélico, o que interessa é a ideia de purificação da política e da sociedade brasileira que Bolsonaro encarna.

O diagnóstico desse quadro nos levaria a projetar um cenário de reeleição de Bolsonaro facilitada pelo voto evangélico, como se deu em 2018?

Para respondermos, seria importante, ao mesmo tempo, considerarmos como nas igrejas das periferias tem se tornado evidente um interesse por outros candidatos que não Jair Bolsonaro, o que traz para o palanque também os dois candidatos citados no começo deste texto. Conversando com alguns interlocutores de algumas igrejas pentecostais, não vejo tanto entusiasmo em relação ao voto em Bolsonaro como havia em 2018. Hoje, a membresia percebeu que a economia está quebrada, que há uma dificuldade de se manter a luta pela sobrevivência, que o cenário econômico tem deixado as pessoas reticentes em relação ao governo atual.

É comum ouvir de muitos líderes que eles votarão no Lula, mas que manterão isso no anonimato, para que a liderança de sua igreja não saiba, porque isso poderia provocar uma série de ataques de pastores que acusariam a membresia de estar agindo em prol da consolidação de uma suposta esquerda ditatorial no país. Isso é bastante interessante porque mostra o quanto nesses espaços religiosos os indivíduos de certa forma se mostram flexíveis em relação à política.

A ligação da igreja evangélica com o Bolsonaro de forma alguma significa que o presidente tenha o mundo evangélico em suas mãos. É provável que essas contradições, essas rupturas verificadas nas igrejas, se revelem no voto evangélico, o que, se acontecer, contribuirá para que compreendamos melhor os evangélicos em suas divisões. Afinal, essas contradições podem, inclusive, mostrar que, dentro de um ambiente religioso, a palavra pastoral pode cair por terra.

É evidente que Bolsonaro está mais próximo do mundo evangélico devido à agenda moral. Mas as contradições acima apontadas, a ruptura das bases evangélicas em relação à posição política de muitos líderes motivada pela crise econômica promovida pelo próprio governo Bolsonaro, dão sustentação à aposta de que o fenômeno de 2018 não se repetirá neste ano de 2022, pelo menos não com a mesma intensidade. Esperemos para ver.

* Lucas Medrado é doutorando em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, é autor do livro Cristianismo e Criminalidade (Fonte Editorial) e membro da Assembleia de Deus (Ministério do Belém) em São Paulo, SP.

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